sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Janela para o Bom Senso

Flávio Dino: Ao contrário do que afirmou editorial desta Folha ("Resposta mesquinha", 14/11), a "janela" criada em projeto de minha autoria para permitir a políticos trocar de partido em algumas situações não é reação corporativa e oportunista à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre fidelidade partidária.

Apresentei uma proposta de instituição da fidelidade, com certa flexibilidade, em fevereiro de 2007, antes mesmo da primeira decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema. Agora, é urgente que o Congresso Nacional exerça sua competência, pondo fim à anomalia de uma resolução, ato hierarquicamente inferior, regular assunto tão relevante.

O projeto da minha autoria cuida de preencher essa lacuna, dispondo sobre todo o procedimento para a perda dos mandatos, bem como sobre as exceções ao regime de fidelidade. Essas exceções são admitidas por todas as decisões do Judiciário acerca da temática, já que, no direito, a única regra sem exceção é a que dita que toda regra tem exceção. Um exemplo extremo: matar alguém é crime, mas não quando em legítima defesa. É exatamente essa a idéia da "janela" -uma espécie de legítima defesa do sistema representativo. Explico.

Não temos no Brasil um sistema de lista fechada, na qual o eleitor vota em um partido. Temos um sistema de voto nominal, com lista aberta. Os eleitores são chamados a votar em pessoas e, apenas indiretamente, em um partido. Isso gera como conseqüência uma dupla fidelidade dos eleitos, isto é, ao seu partido e também aos eleitores.

Imaginemos um deputado eleito em uma região agrícola. Contudo, o seu partido sistematicamente determina que tal parlamentar vote contra os interesses dos produtores rurais.
Pela nossa proposta, ele deverá cumprir a orientação partidária. No entanto, terá a chance de, ao final do mandato, sair da agremiação que lhe impediu de bem exercer as suas tarefas representativas.

Como a "janela" apenas se abrirá uma vez, imediatamente antes da eleição seguinte, nesse caso caberá à sociedade julgar a conduta do hipotético deputado. Afinal, somente uma concepção aristocrática pode sustentar que os supremos julgadores dos políticos devem ser sempre os juízes, e não o povo.

Tivemos o cuidado de estabelecer essa "janela" exclusivamente no final dos mandatos justamente para evitar o troca-troca fisiológico, o qual ocorre logo após as eleições -como as estatísticas comprovam. Isso continuará proibido. Porém, precisamos abandonar a idéia de que toda mudança partidária é fisiológica.

Partidos importantes, como o ex-PFL (hoje DEM), surgiram exatamente de atos de "infidelidade". No caso do PFL-DEM, foram parlamentares que "traíram" o PDS em nome da transição democrática para eleger Tancredo Neves, do PMDB.

Aliás, é curioso que sejam justamente os filhos da infidelidade que queiram agora ser os pais da fidelidade absoluta, invocando um discurso moralista que, em verdade, esconde uma dura luta pela sobrevivência contra partidos do mesmo campo político (o centro e a direita).

A fidelidade partidária absoluta é uma tentativa de congelar o futuro, como se isso fosse possível.

Não podemos imaginar um sistema partidário inglês sem que sejamos a Inglaterra. Aqui, sucessivas rupturas institucionais impediram a formação de partidos sólidos e enraizados. É preciso fortalecer os partidos brasileiros, mas compreendendo que se trata de um processo político, não de uma "canetada".

O Poder Judiciário acertou ao decidir a favor da fidelidade. Cabe agora ao Congresso Nacional estabelecer regras claras e que sejam balizadas pela autonomia da política e dos fatos que lhes são próprios.

Temos um sistema partidário em construção e em busca de legitimação perante os cidadãos. A fidelidade absoluta e incondicional poderá levar os representantes a se distanciarem ainda mais dos representados, sem a possibilidade de reaproximação que a "janela" propicia.

Ou seja, substituiremos o lamentável troca-troca de partidos por algo igual ou pior: a oligarquização do sistema político, com cúpulas partidárias com poder de vida e morte sobre os eleitos -e para todo o sempre.

É preciso avançar, mas na direção correta e sem darmos passos maiores do que as nossas pernas. Fidelidade partidária com bom senso. Essa é a nossa tese.

FLÁVIO DINO, 40, deputado federal (PC do B-MA), é vice-líder do seu partido. Foi presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O País está Bem?

Li na Folha de São Paulo uma notícia que mostra bem o enorme desequilíbrio das contas do governo federal, que tem se esforçado para vender ao povo brasileiro que o país está equilibrado e, na verdade, está atolado até o pescoço em grandes problemas. Enquanto o mundo acelerava com a boa fase da economia americana, que puxava a China, a Índia, o Brasil, a Rússia, a Europa e parte da Ásia, e cada um desses potencializava entre si grandes oportunidades de negócios, tudo ia a mil maravilhas.

O consumo mundial exacerbado aumentava dia a dia e o dinheiro corria a rodo pelo mundo globalizado. O preço do petróleo subia desenfreado, fazendo fortunas da noite para o dia. O Brasil, em descompasso com as outras economias emergentes, praticava os juros mais altos do mundo, utilizados pelo Banco Central do país como única forma disponível para controlar a inflação.

As autoridades fizeram vista grossa do conselho de quase a unanimidade dos economistas, que repetiam ser ideal o momento para que o país se livrasse desses problemas e entrasse finalmente em um ciclo de crescimento virtuoso. Mas, para isso, o governo deveria cortar gastos com pessoal e custeio da máquina, que não paravam de crescer e assim iam diminuir suas necessidades de ir ao mercado de capitais pegar dinheiro a juros proibitivos para financiar o seu ímpeto gastador que comprometia o futuro do país.

Como o governo dava mostras de não acreditar em nada disso e preferia continuar o caminho que a prosperidade mundial tornava fácil e tentadora, pois parecia que nunca iria acabar, as coisas chegaram ao ponto em que estão. Para que fazer sacrifícios?

Nesta semana o jornal Folha de São Paulo publicou a notícia que transcrevo: “Os gastos do governo com pagamento de juros do endividamento público, entre 2000 e 2007, somaram R$ 1,268 trilhão, o que representa 8,5 vezes o dinheiro investido em educação no mesmo período, que foi de R$ 149,9 bilhões.

A informação consta de estudo divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)”.

A notícia, porém, não se encerra aí e continua:

“O gasto com juros também supera de longe o que foi empregado em saúde: R$ 310,9 bilhões.

Segundo nota distribuída pelo Ipea, além de o gasto com juros ser "improdutivo, pois não gera emprego e tampouco contribui para ampliar o rendimento dos trabalhadores", também colabora para a concentração de renda.

Para o mesmo período, segundo o Ipea, o somatório dos gastos da União com saúde, educação e investimento correspondeu a somente 43,8% do total das despesas com juros”. Diz também : “Os impostos crescem sete vezes mais que os salários, diz IPEA”.

Essa é a causa do atraso relativo que o Brasil vem experimentando em relação aos outros países emergentes. Estes se desenvolvem tendo por base a grande melhoria do seu sistema educacional, investindo maciçamente em saúde e tecnologia, além de melhorar rapidamente sua infra-estrutura física, ou seja, estradas, portos, aeroportos e redes ferroviárias. Aumentam assim a produtividade e baixam os custos na produção, maximizando fortemente a competitividade dos seus produtos.

O Brasil crescia impulsionado pelas exportações e pela grande competitividade do agronegócio, que estavam tão rentáveis que cresciam, a despeito dos custos internos altos do transporte, dos portos e da péssima qualidade do sistema de saúde e do sistema educacional no país. E nada era feito para melhorar esse quadro. Para pagar as contas com os banqueiros, os impostos no Brasil não param de crescer penalizando principalmente assalariados e empresas privadas que sustentam o governo, cada vez mais perdulário.

Nada disso acontece na China e na Índia, que, inclusive, se lançam na corrida espacial, mostrando a força da sua tecnologia. Enquanto isso, o Brasil não consegue fazer funcionar um pequeno foguete em sucessivos lançamentos.

Esse é o país que a propaganda oficial nos faz crer que é um país em grande crescimento. Como, se as contas são uma tragédia e a infra-estrutura a cada dia que passa está pior? Se os exames do ENEM mostram que estamos patinando e fracassando em prover um ensino público de qualidade e de interesse para os alunos? Se aumenta a desigualdade entre pessoas e se aprofunda o fosso social e econômico entre as regiões brasileiras, e o governo não liga para o fato e não toma a iniciativa de preparar um programa para enfrentar o problema? E como explicar que, por motivos políticos, menores, o presidente da Republica não vem ao Maranhão ajudar a resolver seus problemas? Que compromisso é esse?

Temos que melhorar nossa agenda, encontrar soluções com urgência. A agenda atual não leva em conta os interesses básicos do país e não deixará nenhuma solução para resolvê-los. Em que pesem alguns avanços pontuais...

O governo brasileiro não tem planejamento global e segue sujeito aos humores do mercado de capitais.

Nada disso é bom.